Terça, 31 Março 2020 20:35
NÃO HÁ O QUE COMEMORAR

As viúvas da ditadura militar

Ministério da Defesa, Bolsonaro e Mourão elogiam o golpe de 1964 que impôs a ditadura e gerou uma das piores crises econômicas, com quase 200% de inflação ao ano
A VERDADE DOS FATOS – A comemoração do governo Bolsonaro em relação ao golpe de 1964 e ao regime militar não apagam os fatos e relatos do  período mais obscuro da história do Brasil A VERDADE DOS FATOS – A comemoração do governo Bolsonaro em relação ao golpe de 1964 e ao regime militar não apagam os fatos e relatos do período mais obscuro da história do Brasil Fernando Souza/AFP

Carlos Vasconcellos/Imprensa

Como já era de se esperar, o presidente Bolsonaro e os militares que comandam o atual governo comemoraram e rasgaram elogios ao golpe de 1964, que derrubou o governo democrático e popular de João Goulart e impôs ao país uma ditadura de mais de 20 anos. Ao afirmar que o golpe foi um movimento que representou um "marco para a democracia" e “o dia da liberdade”, o governo federal tenta manipular os fatos históricos e omite em seus discursos as prisões, exílios, fechamento do Congresso Nacional, cassação de políticos partidos, torturas e assassinatos.  O vice-presidente, general Hamilton Mourão também comemorou a data histórica desprezando a democracia que permitiu até mesmo a eleição do atual governo.  

O golpe teria sido dado ainda em 1961 se não fosse a campanha em defesa da legalidade criada pelo então governador do Rio Grande do Sul, Leonel Brizola, cunhado de Jango. Brizola organizou uma resistência armada popular, que em seguida contou com apoio do Comandante do 3º Exército do Rio Grande do Sul, general Machado Lopes e com uma cadeia de comunicação da Rádio Guaíba onde do Palácio Piratini, o líder trabalhista mobilizou o país e garantiu o estado democrático de direito e a posse de Goulart, levando os militares golpistas a recuar e a ceder ao movimento popular vitorioso naquele momento.

O golpe de 64, que completa 56 anos, foi apoiado pelos EUA. Documentos da CIA, o órgão de inteligência da Casa Branca e que foram abertos à opinião pública internacional em 2010 comprovam a participação do governo americano na derrubada de Jango. Gravações telefônicas comprovam a ativa participação do embaixador Lincoln Gordon e do subsecretário de Estado, George Ball na derrubada da democracia no Brasil, que resultou em mais de 20 anos de ditadura. Os EUA promoveram a chamada “Operação Brother Sam” que incluíam ações da  Marinha norte-americana presente na costa brasileira em apoio aos militares para garantir a deposição do governo João Goulart (PTB), o que aconteceu no dia 31 de março de 1964 (1º de abril segundo alguns historiadores).

Corrupção no regime

Ao contrário do que muita gente desavisada pensa, havia corrupção no regime militar, mas a censura à imprensa e à liberdade de expressão impedia que fossem divulgados os casos de desvios de dinheiro púbico e favorecimentos ilícitos a empresários, empreiteiras e militares do alto escalão.

Entre eles, o caso do empréstimo de dinheiro público para salvar da falência a empresa Lutfalla, da família de Paulo Maluf, político ligado aos militares. Outro acontecimento emblemático foi o de Delfim Neto, ministro do planejamento do governo do General João Batista de Figueiredo, que também atuava no mercado imobiliário com o Banco Nacional de Habitação (BNH) na venda de terrenos superfaturados que movimentaram cerca de US$ 200 milhões na época. Na Bahia, Antônio Carlos Magalhães foi acusado em 1972 de beneficiar a Magnesita, da qual seria acionista, abatendo em 50% as dívidas da empresa em seu primeiro mandato no estado. No governo Médici, os generais de brigada que iam para Brasília contavam com US$ 27 mil para comprar mobília, uma mordomia financiada com dinheiro público.

Superfaturamentos

Em nenhum outro período da história as empreiteiras foram tão beneficiadas com obras faraônicas, como a da Rodovia Transamazônica, construída durante a presidência do general Emílio Garrastazu Médici. As obras começaram em 1969 e se estenderam até 1972. Além de ter causado o genocídio de vários indígenas e ter estimulado o desmatamento, parte da obra está ainda hoje consideravelmente coberta pela vegetação e o governo abafou o superfaturamento da construção.

Registros secretos do governo britânico relatam também que o governo brasileiro atuou para abafar mais uma investigação de corrupção, desta vez na compra de navios de escolta construídos na Inglaterra durante os anos 1970.  

Assassinado por fazer denúncias

O diplomata José Jobim foi sequestrado, torturado e morto pela ditadura militar. O motivo da execução? O diplomata, aposentado, havia ido a Brasília para a cerimônia de posse do general João Figueiredo como presidente da República. Durante a estadia, mencionou que estava escrevendo um livro no qual detalharia irregularidades e superfaturamento nas obras de Itaipu. A usina custou dez vezes mais que o previsto, totalizando cerca de US$ 30 bilhões. Num dia, Jobim saiu para visitar um amigo e nunca mais retornou. Sua documentação e manuscrito comprovando suas denúncias desapareceram misteriosamente na casa de sua mulher, após a sua morte.

O fracasso econômico e social

Apesar de um período de elevado crescimento econômico, que ficou conhecido como “milagre brasileiro”, especialmente nos anos 70, o regime militar elevou a concentração de renda e a desigualdade social e deixou o país em uma de suas mais graves crises econômicas. No governo Figueiredo, última gestão do regime militar, em 1983, o legado econômico foi um fracasso. A economia decresceu 3,2% e os brasileiros perderam 6,9% de sua renda. A inflação chegou a 225,9% ao ano em fevereiro de 1985 (estava em 46,1% ao ano no primeiro mês de seu governo). A dívida externa explodiu e chegou a mais US$ 100 bilhões em 1984, representando um crescimento de US$ 50,3 bilhões em relação a 1979.

Na fila de um concurso da Comlurb, para vagas de garis, também no final dos anos 80, no Rio de Janeiro, matéria na imprensa entrevistava engenheiros, arquitetos, professores e jornalistas disputando uma vaga de emprego na empresa de limpeza urbana por ausência de oportunidades em suas áreas de conhecimento.

 

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