Quarta, 31 Julho 2019 20:16

Ato na ABI repudia ameaças de Bolsonaro e Moro contra Glenn Greenwald

 Glenn fala durante a manifestação em defesa da democracia e liberdade de imprensa   Glenn fala durante a manifestação em defesa da democracia e liberdade de imprensa

Mais de 3 mil pessoas participaram do ato na Associação Brasileira de Imprensa (ABI), nesta terça-feira (30/7). A manifestação foi em repúdio às ameaças, inclusive de prisão, feitas pelo presidente Jair Bolsonaro (PSL-RJ) e pelo ministro da Justiça, Sérgio Moro, contra o jornalista Glenn Greenwald e demais integrantes do site The Intercetp Brasil pelas reportagens baseadas em mensagens vazadas por uma fonte anônima.
Nas mensagens, o então juiz Moro orienta os procuradores da Operação Lava-Jato, sobretudo Deltan Dallagnol, sobre como conduzir as investigações. A atitude é ilegal, criminosa, e teve como objetivo alcançado, entre outros, o de condenar o ex-presidente Luis Inácio Lula da Silva para impedi-lo de se candidatar à eleição para a Presidência.
Estiveram presentes ao ato, além de jornalistas, artistas – entre eles o compositor Chico Buarque de Holanda e os atores Wagner Moura, Julia Lemertz, Camila Pitanga e Paulo Betti – os músicos Fernanda Abreu, Tereza Cristina e Pedro Luiz, parlamentares de vários partidos – como Benedita da Silva e Wadih Damousm, do PT; Jandira Feghalli (PCdoB); David Miranda, Marcelo Freixo e Glauber Braga, do PSOL; os deputados estaduais Flávio Serafim e Eliomar Coelho (PSOL); os vereadores Babá (PSOL) e Fernando William (PDT); e o presidente do PSTU, Cyro Garcia; além de dirigentes da Ordem dos Advogados do Brasil, de inúmeros sindicatos, entre eles o dos Bancários do Rio, centrais sindicais e entidades estudantis.

Democracia em risco

A diretora do Sindicato dos Bancários, Vera Luiza Xavier, presente à manifestação, frisou que mais do que uma atividade em solidariedade ao jornalista foi um ato em defesa da democracia e da liberdade de imprensa. “E mostrou que vai haver muita resistência à escalada autoritária em curso no país”, avaliou, diante do grande número de participantes. Além do ato no auditório e no saguão da ABI, que reuniu cerca de 1.000 pessoas, mais de 2 mil não puderam subir ao 9º andar, participando de um protesto em frente ao prédio-sede da entidade, que paralisou o trânsito na Rua Araújo Porto Alegre, no Centro.
Para o vice-presidente da ABI, César Benjamin, a tentativa do governo de intimidar, ameaçar e insinuar que poderia prender Glenn Greenward, alegando ligação entre ele e hackers na invasão do aplicativo Telegram, onde foram trocadas as mensagens citadas nas reportagens, são atitudes inaceitáveis numa democracia. “Estamos aqui para dizer que não vivemos numa ditadura e que repudiamos práticas como esta”, afirmou.
Já o diretor da OAB Nacional, Paolo Botini, disse que as ameaças foram um ataque do Estado brasileiro ao jornalista do The Intercept e que isso é muito grave. “Este ato de hoje é um repúdio a atitudes autoritárias que não podem continuar a ser executadas no país”, advertiu.

Sociedade tem direito a saber o que Moro fez

Pouco antes da manifestação, Glenn, fundador do The Intercept, e o editor do The Intercept Brasil, Leandro Demori, concederam entrevista coletiva. Glenn disse que apesar das graves ameaças que ele e sua família vêm sofrendo, não vai parar a série de reportagens sobre o caso, nem sair do país. “A sociedade tem o direto de saber o que Sérgio Moro fez nas sombras, às escondidas, usando a Justiça para fins políticos. Cometeu um crime muito grave. Um juiz tem que ser imparcial, mas ele agiu como chefe dos procuradores da Lava-Jato. Nada das reportagens que estamos fazendo tem a ver com ideologia, mas com a defesa da democracia que foi atingida pela Lava-Jato”, acrescentou.
Alertou que se as ameaças de Bolsonaro e Moro a ele e ao Intercept tiverem êxito, atitudes semelhantes vão se repetir com todos os jornalistas que fazem um trabalho sério no país. Frisou que estas atitudes não são nenhuma surpresa. “O presidente continua a agir como fez nos últimos 30 anos, sempre se colocando contra a democracia e defendendo a ditadura. Agora, não quer a imprensa livre. Quer poder prender qualquer pessoa, como se estivesse num regime de exceção. E usa táticas para intimidar. Mas a única coisa que ele vai conseguir com isso é que as nossas reportagens continuem”, adiantou. O jornalista voltou a afirmar que tem um farto material de troca de mensagens ainda sob análise com fatos graves a serem relatados. “Estamos trabalhando dia e noite nisso”, informou.

Mensagens autênticas

Quanto às insinuações de Moro e do procurador da República Deltan Dallagnol questionando a autenticidade dos diálogos, Glenn voltou a explicar que jornalistas de pelo menos oito veículos de comunicação avaliaram as mensagens e comprovaram serem autenticas, entre eles profissionais da revista Veja, do jornal Folha de S. Paulo, do site El País e da BBC de Londres. A respeito da investigação feita pela Polícia Federal por ordem de Moro para encontrar a fonte que repassou as mensagens, lembrou que a Constituição Federal garante aos jornalistas o direito e manter o informante sob sigilo.
“De outo lado, nem Moro, nem Dallagnol, questionaram de maneira objetiva a autenticidade da troca de mensagens. Apenas fazem insinuações, tentando confundir as pessoas, criminalizando o vazamento de informações e as matérias, mesmo sabendo que, na maioria das vezes, as informações e provas repassadas aos jornalistas são conseguidas de forma ilegal pelas fontes e se tornam matérias quando se verifica serem importantes para o interesse público e para a democracia. Isso ocorreu em vários outros casos, como, por exemplo, durante a Guerra do Vietnam e no vazamento feito por Edward Snowden sobre a National Security Agency (NSA) dos Estados Unidos, que tinha acesso às informações de todos os usuários da internet no mundo, inclusive chefes de Estado”, lembrou.
Moro comete crimes mas fica no poder

Disse que o importante nas matérias sobre a relação entre o então juiz Moro e os procuradores federais é que elas comprovam que existe uma facção com muito poder, cuja ação afetou seriamente a democracia no país. “Isto foi feito pela força-tarefa da Lava-Jato que usou seu poder sem transparência, cometendo seguidas ilegalidades, orientada pelo ex-juiz Sérgio Moro. Isto teve consequências enormes para o Brasil”, afirmou.
Para Glenn é absurda a situação de Sérgio Moro que comprovadamente cometeu crimes como juiz, mas foi mantido no ministério da Justiça, quando deveria ser afastado e investigado. “Mais grave é que ele usa a Polícia Federal para investigar supostos hackers, e ainda, quais seriam nossas fontes, tentando inverter os fatos e nos acusar de ter cometido algum crime, quando o que fizemos foi cumprir o nosso dever de jornalistas informando à sociedade sobre estes fatos graves, repassados por uma fonte anônima”, disse.
Mas, para o jornalista, a ação da PF pode se virar contra o próprio Moro. “Agora que a PF está falando que pode chegar ao acervo das mensagens, ele se tornará lícito, podendo ser levado aos tribunais como prova, o que antes não podia acontecer”, argumentou. Avaliou ser um crime muito sério as declarações de Moro e de Dallagnol de que destruiriam estas provas. “Isso é um crime muito grave. É obstrução da Justiça. Mas nada acontece com eles, que continuam em seus cargos sem serem investigados”, constatou. 

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